Em julho de 2013, foram publicadas as NBR 15.575/2013 – Edificações Habitacionais, partes de 1 a 6, mais comumente conhecidas por “Normas de Desempenho”. Esse conjunto de normas vem causando grande tumulto entre construtores, engenheiros e arquitetos da Indústria da construção civil. Todos os empreendimentos de cunho habitacional, cujos alvarás de construção foram emitidos a partir dessa data, estão submetidos aos critérios impostos por essa normativa.
A origem principal dessas discordâncias, encontra embasamento no conceito primordial das normas, originária das filosofias japonesas de qualidade total. Tais preceitos, demostram que existe a necessidade de responsabilidade solidária entre os envolvidos nos processos de concepção, fabricação, construção, uso e operação das edificações habitacionais.
A NBR 15.575/2013 nasceu do consenso da sociedade civil, acerca da necessidade de busca de soluções para transformar e qualificar o mercado habitacional brasileiro, cujos entes envolvidos ou não, no processo de produção e operação das edificações foram partícipes das reuniões de estudo e definição da norma (Cbic/Sinduscons, Associações de Engenheiros e Arquitetos, IPT, Secovi, CEF, Entidades envolvidas com o meio ambiente, entre outros).
Essas normas não foram criadas com o intuito de complicar ou até de aumentar as responsabilidades dos atores comprometidos no processo produtivo das obras, pelo contrário, um dos objetivos das “normas de desempenho” foram de determinar e dividir as responsabilidades das operações de construção e uso das edificações, que antes da publicação, não existiam, e eram decididas por longos litígios, sendo cada caso tratado de maneira específica.
No entanto, nos estados onde o volume de construção é mais elevado, os problemas enfrentados pelas construtoras e incorporadoras diante do crescente número de casos de ações judiciais em função do descumprimento dos requisitos apontados pela NBR 15.575/2013, já são evidentes.
As deficiências de desempenho observadas nas construções, podem possuir origem nas mais diversas etapas do ciclo de vida dos empreendimentos: concepção, planejamento, execução e uso. As três primeiras são, de responsabilidade do executor e incorporador, no entanto, a última é de responsabilidade dos moradores, proprietários e síndicos das edificações.
O Código de Defesa do Consumidor, no parágrafo único do Art. 50, atribui ao consumidor o direito de que as informações de uso, operação e manuteção sejam emitidas através de manual do usuário, assim como, a obrigatoriedade de entrega desse manual por parte do fornecedor, prezando pela transparência entre as relações de consumo. A NBR 5674/2012: Manutenção de Edificações – Procedimento, determina as diretrizes para elaboração de programa de manutenção predial por parte dos usuários das edificações, mas, atrela a sua elaboração à presença de alguns documentos fornecidos pela construtora, dentre eles está o Manual de Uso, Operação e Manutenção da edificação.
Nesse contexto, a NBR 14037/2011: Diretrizes para Elaboração de Manual de Uso, Operação e Manutenção das Edificações – Requisitos para Elaboração e Apresentação de Conteúdo, foi publicada com o intuito de padronizar e parametrizar o tipo de informação necessária ao uso e manutenção de edificações. Em seu texto, essa normativa, além de alertar o construtor acerca da obrigatoriedade de entrega de manual do proprietário, contempla também, informações acerca dos processos de Garantias Legal e Contratual e as condições de perda dessa garantia por parte do usuário.
A Garantia Legal imposta pelo Código Civil aos empreiteiros executores de bem imóveis, é de cinco anos, conforme Art. 618, entretanto nesse período, várias são as atividades decorrentes da manutenção predial que já de deveriam ter sido realizadas, para que fosse possível garantir que, a maioria dos sistemas prediais, funcionassem com o desempenho desejado.
A NBR 15575/2013, também estabelece critérios e prazos bem definidos acerca das garantias legais mínimas requeridas, assim como determina prazos mínimos para a vida útil de projeto dos sistemas prediais, sendo mantidas as atividades de manutenção predial propostas pelo programa de manutenção predial da NBR 5674/2012.
Cada ente envolvido com a edificação, desde a concepção à utilização, possui seu conjunto de responsabilidades bem definidos pela normalização e legislação vigentes, então, por que esse elevado número de litígios judiciais? Por que, que as construtoras e incorporadoras, via de regra, “dão-se mal” nesses litígios, já que as causas de manifestações patológicas, de anomalias e falhas não necessariamente possuem origem na construção?
Essa resposta, parece estar relacionada com uma etapa da fase produtiva de um empreendimento, que é de responsabilidade do construtor, obviamente. Essa etapa é composta por atividades importantes, que tanto proporcionam informações indispensáveis para o início da nova fase do ciclo de vida da edificação, como proporcionam ao construtor, a garantia de que, se o empreendimento não for mantido da maneira adequada, ele se exime da responsabilidade de possíveis anomalias decorrentes de tal atitude. Essa etapa é denominada de Finalização (Encerramento) do Projeto.
Algumas atividades compõem essa etapa do processo produtivo de uma obra, no entanto, a grande parte dos construtores desconhecem sua importância, ou até mesmo, sua existência. Na disciplina de Gerenciamento de Projetos, o PMI – Project Management Institute – associação de fomento, indica em sua principal publicação – o PMBOK – todas essas atividades. Na construção de edifício habitacionais, podemos destacar as seguintes atividades:
- Obter a aceitação pelo cliente ou patrocinador para encerrar formalmente o projeto;
- Fazer a revisão pós-projeto;
- Arquivar todos os documentos relevantes do projeto;
- Encerrar todas as atividades de aquisições, assegurando a rescisão de todos os acordos relevantes;
O processo de entrega de uma edificação ao consumidor final, deveria contemplar diversas atividades que seriam relevantes tanto para garantir a qualidade final do empreendimento, mas também, como fonte geradora de provas em possíveis ações judiciais futuras.
A aceitação da obra por parte do cliente, através da realização de uma Inspeção Predial de Entrega de Obra, sendo realizado todos os testes necessários aos sistemas da edificação (Diretrizes da Engenharia Diagnóstica – Instituto de Engenharia); entrega formal e explicação do Manual de Uso, Operação de Manutenção que, além das informações básicas, contivesse todos os dados necessários para que o condomínio desenvolvesse um programa de manutenção da edificação, tais quais: periodicidade de manutenção, escopo das manutenções, formato dos registros das manutenções, qualificação necessária para as empresas que realizaram as atividades de manutenção; Entrega formal de documentação de condomínio (projetos completos, atas, memorial de incorporação, etc.); auditoria periódica de manutenção predial, entre outros processos, são aspectos que minimizariam as possibilidades de ações judiciais e até, potencializariam as possibilidade de teses de defesa por parte das construtoras em possíveis embates na justiça.
Em uma ação judicial originada pelo condomínio, e que a construtora não seja responsável pelas anomalias ou falhas observadas, a inversão do ônus da prova pode recair sobre a construtora e, sem as informações acerca das atividades de manutenção predial desempenhadas pelo condomínio, a empresa não pode comprovar que a causa daquele problema não tenha sido uma manutenção inadequada, ou inexistente. Um processo de entrega de obra eficaz, ainda pode ajudar o construtor em litígios, mesmo que não haja nexo causal com as atividades de manutenção, simplesmente, por demostrar que, o construtor possui idoneidade no processo.
Diante do exposto, a distribuição de responsabilidades entre produtores e usuários (consumidores) é a temática da normalização atual, apesar do paternalismo judicial em determinadas situações. É condição sine qua non que os empresários da construção civil se conscientizem do seu papel e, comecem a profissionalizar melhor os seus processos internos e, a analisar os custos e despesas de construção de forma mais holística, com vistas a minimizarem os ônus que ainda incidem sobre suas empresas.
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