Relutei muito em fazer essa postagem, face a possibilidade de uma grande repercussão, no entanto, decidi fazê-lo por achar que as consequências seriam suplantadas pelo benefício à engenharia, que é a minha busca incessante durante esses meus anos profissionais, as pessoas que me conhecem de perto podem atestar isso.
Há um tempo, fui convidado a dar proposta para a avaliação estrutural de uma obra que apresentava sinais de manifestações patológicas graves, acabou que nem tive a oportunidade de elaborar a proposta. Essa edificação entrou em colapso, e vou aqui comentar, de maneira estritamente técnica, o que observei.
A edificação estava, no momento da visita, com quatro lajes, e estava sendo construída como um anexo de outra edificação. Quando cheguei na obra, percebi que, a junta de dilatação estrutural que separava as duas edificações estava mais estreita na parte inferior que na parte superior, parecendo possuir nessa, uns 10cm. Um indício de recalque diferencial das fundações, o que era estranho o sentido, que devido à possibilidade do incremento do bulbo de tensões no solo na região dos pilares da prédio existente, a rotação era no sentido oposto.
Quando adentrei, fui direto à região dos pilares que poderiam estar sob recalque, percebi uma fissura inclinada em uma parede apoiada, de um lado no muro periférico e do outro, numa parede que talvez pudesse estar apoiada numa viga “baldrame” internamente à edificação.
Ainda nesse pavimento, busquei, nos pilares, por sinais de esmagamento de concreto, flambagem local das armaduras, ou fissuras de flexão, mas não havia.
No pavimento superior, vi que existia uma laje em balanço que fazia o contato com o prédio vizinho, essa laje estava “rampada” na direção da edificação vizinha. Como as edificações iriam ser integradas, imaginei que o problema fosse de nível entre as lajes, a estrutura nova teria sido construída numa cota mais elevada que a antiga. Pensei: foi incrementado o momento negativo desse balanço. Nos pavimentos superiores existiam esse mesmo problema, ora maiores ora menores.
Numa laje externa no 1º pavimento da obra, pude verificar as paredes da periferia da edificação em sua face norte e vi, que alguns pilares externos estavam desaprumados ou locados com elevada excentricidade. Também percebi, que apesar das alvenarias serem executadas em tijolos cerâmicos de vedação, alguns panos foram preenchidos por um material cimentício com forma, a estilo de uma parede de concreto moldado in loco, para minimizar os desaprumos, o que ainda poderia aumentar o carregamento na estrutura.
edificação possuía um estado fissuratório exacerbado, diversas falhas de concretagens (ninhos de concretagem, desalinhamentos, desaprumos); um sistema estrutural sem sentido, ora vigas muito próximas, ora vãos bem maiores. Já havia sinais de intervenção estrutural, entre outras situações.
bindo mais, percebi, na segunda ou terceira laje, não lembro bem, que uma viga possuía sinais claros de deficiência ao cortante, inclusive estribos rompidos, com fissuras inclinadas junto ao pilar de enorme abertura, e ainda fissuras decorrentes de deficiência de capacidade à flexão (momento positivo), achei estranho, porque essas últimas não estavam localizadas no meio do vão mas, deslocadas uns 50cm a 60cm. Ainda havia uma broca “enterrada” no concreto, sinal de uma tentativa de descobrir o que estava causando aquela fissura perigosa e ainda, armaduras aderidas ao concreto dispostas na tentativa – infrutífera, diga-se de passagem – de “costurar” essas fissuras.
Fui, então, no pavimento acima para ver se descobriria o porquê do deslocamento do momento. Percebi, que o trecho do pilar que apoiava essa viga, estava deslocado no pavimento acima, e descarregava exatamente sobre a viga que se apresentava com aquele estado de fissuras graves, aí entendi o deslocamento do momento máximo. Fiquei muito preocupado com esse fato, já que esse não era o último pavimento, e se essa viga entrasse em colapso, os pavimentos superiores poderiam ruir sobre os pavimentos inferiores.
Algumas semanas após, a edificação entrou em colapso, talvez com o incremento de carregamento imposto pela continuação da obra (finalização da estrutura). Provavelmente, a viga danificada ruiu trazendo o pilar consigo e causando o colapso progressivo da edificação. O modo como a estrutura colapsou, e como os escombros se apresentaram, realmente foram indicativos de colapso progressivo da estrutura.
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